15 de julho de 2011

Transa - Caetano Veloso



Espécie: MPB/Tropicalismo 
Data: 1942-
Natural de: Santo Amaro da Purificação, Bahia, Brasil 
No cardume: Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão e Maria Bethânia

Fiquei sabendo deste peixe ha um tempo atras, uns meses antes de começar o blog, atraves de um professor de literatura meu (WTF?). Pois é, o rolo é que a materia estava comecando com uma revisao da literatura brasileira, estavamos estudando um dos primeiros periodos literários que, mesmo com a proibicao da imprensa e o caramba, teve gracas ao jeitinho brasileiro, uma versão com um "tapa tupi": o Barroco. E no meio da coisa toda, inevitavelmente o professor chegou ao poeta Gregorio de Matos e nos passou uma ficha com um dos seus poemas mais fortes:

Triste Bahia
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
(Gregório de Mattos)


Até ai tudo bem, tudo dentro do normal mas a historia começa com o que veio depois: a faixa também chamada “Triste Bahia” de um dos álbuns mais obscuros de Caetano, Transa que hoje trago aqui. Que tesão! Eu não estava esperando, sei La meu, era uma aula de literatura! E aquele foi um momento realmente único. Quem baixou ou já ouviu Triste Bahia sabe, a música é gritante, estrondosa, bem experimental e longa, bem longa, resumindo: foram 10 minutos incrivelmente longos e constrangedores pra maioria dos meus colegas, enquanto três ou quatro, incluindo eu, se comunicavam sem palavras, olhares ou gestos.
É assim mesmo, ninguém nasce sabendo falar, ninguém nasce sabendo ouvir.... e eu me incluo ai, até hoje não consigo assistir os filmes do Allen ou do Kieslowski. Mas enfim na época eu ja tinha conhecido Creedence, Vangelis, Phillip Glass, já tinha perdido o prepúcio e compreendi muito bem o momento desta experiência, a lógica estrondosa da reciclagem do poema de Gregório, que apontava a decadência econômica de Salvador para o momento ditatorial que o Brasil vivia quando o disco foi lançado. E tempos depois, graças a esta experiência achei e compreendi o poema de Proust da primeira publicação aqui do Peixaria, pedra filosofal do blog.


As pessoas se perguntam porque a música popular brasileira tinha tanta qualidade, tanto conteudo na época da ditadura mas a resposta é obvia: corpos estampando os jornais de domingos, amigos sumindo, estudantes assaltando banco, se armando nos campos, não tinha como soltar um "Sou o seu bizerro cantando mamãe" toda hora. Eles cantavam "Calice", "Chame ladrão!", " Cai um Rei de Espadas" e Caetano não fez diferente, gritando "Mas as pessoas da sala de jantar" e assim como outros foi preso, sim, a música Terra é forçada pois ele deve ter ficado dias na cela, mas ele foi mesmo preso e depois, exilado para... Londres.
Estamos no ano doido de 1969: Caetano Gil, Londres... aquilo devia ser um fuzuê danado mas não deu nem tempo pra encarar aquela droga que eles chamam de culinaria inglesa: o rosbife! e Caetano conseguiu permissão para retornar ao Brasil pra assistir a missa comemorativa dos 40 anos de casados de seus pais, um rolo assim.
O fato é que em agosto de 1971, Caetano pegou o avião, desceu em solo tupiniquin e claro, já começou a desorganizar. Tocou, destocou, mandou tocar e no meio de tudo, indo bater o cartão no barraco dos milico deu que foi convidado pelos próprios para homenagear a Rodovia Transamazonica, umas das maiores cagadas dos verde-oliva, em uma nova música.
Quem entendeu já ligou: eu não sei qual foi a resposta do baiano mas parece que ele resolveu...uhum...aproveitar a inspiração dos milicos porque em 1972, já de volta ao Brasil, muito malandro, Caetano trouxe na mala este album que penduro hoje: Transa.
Como se quisesse reparar a visão melancolica de uma Londres chuvosa, esnobe e fria que Caetano deixara no album Caetano Veloso, gravado alguns meses antes, Transa, gravado ainda em Londres, no ano de 1971, mantem um tom agitado, experimental, refletindo uma cidade em plena explosão cultural.
Transa, apesar de ser considerada pela critica como uma das 10 maiores obras da MPB, elogiada por sua incrivel riqueza musical, só de relance: citando Gregorio de Matos em "Triste Bahia", Monsueto Menezes em "Mora na Filosofia", puxando um Beatles em "Nostalgia", e fechando com chave de ouro: reverenciando o Reggae, muito antes de qualquer um que você ja tenha ouvido falar (como ele gosta de enfatizar), em "Nine Out of Ten"... talvez ofuscada pelo Tropicalismo (movimento musical no qual Caetano iria se envolver mais tarde) é uma pérola pouco conhecida até pelos proprios fãs do cantor baiano, mas que vale a pena ser conferida.






Músicas:

1. You Don't Know Me
2. Nine Out of Ten
3. Triste Bahia
4. It's a Long Way
5. Mora na Filosofia
6. Neolithic Man
7. Nostalgia

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